sábado, 19 de junho de 2010

Relato de Roma

É impossível, caminhando por Roma, não sentir na pele um arrepio ancestral.O Império Romano, berço da civilização ocidental, ainda se sente no ar.... e como! Muitos italianos se comprimentam com um "Salve!".

A noite, na "Città Eterna" e especialmente no "sabato sera" as luzes começam a iluminar as sete colinas e tudo ao seu redor. Cada bairro, com suas ruazinhas, avenidas, monumentos antigos, restaurantes, tudo está junto, vizinhos, unidos pela Via Appia, a primeira via romana de Roma a Brindisi que foi mandada construir pelo Imperador Appius Claudius là por 312 a.C.


Em Roma, tudo é possível, é como entrar na quarta dimensão: o passado, o presente e o futuro (bairro Eure), estão aí, convidando a serem compartilhados, e a viajar no tempo.
Caminhar pela Via Appia, pegar "la metrovia", passar por "Caracalla", chegar às Catacumbas dos "paleo cristianos" é uma aventura quase dramâtica pois a condução lota, tanto de ida como de volta. Mas é uma aventura inesquecível!

E chega a "Notte Bianca", as 24 horas culturais, sem parar...
É de imaginar?
Roma inteira iluminada, lotada pelos milhares de habitantes e turistas que visitam as ruas, bares, museus, igrejas, capelas, o Tíber, Forum, Coliseum, Castello Sant´Angelo (inspirador da Ópera Tosca?), tudo aberto para o mundo aproveitar...

E no meio de todo esse ir e vir de pessoas....a confusão.
Um apagão geral que se inicia nos Alpes, cria uma algaravia na Suiça, sul da França e toda Italia, incluindo Sicilia.
Não, não dá para imaginar!!!
O blecaute nessa parte de Europa, no meio da noite, e especialmente na "Notte Bianca", que logo vira a "Notte Nera"... com pessoas do mundo fechadas nos metrôs, teatros, e demais lugares sendo visitados.

Horas depois, já de dia, os noticiários falam que a energia volta "come machie de tigre" (pouco a pouco como manchas de tigre).
Assim, a rotina volta também, ao seu curso...

"Notte Bianca" "Notte Nera"
Uma experiência irrepetível, fantástica..... na Roma imortal!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Alagados em Palermo (Sicília)

O navio zarpa essa noite.Tem o dia todo para caminhar livres por Palermo; uma cidade cheia de história, passeios, mistério... (e mafia?.... caminho do porto tem uma escultura, símbolo da Paz...).

A praça central, com o prédio do Teatro Massimo e os seus leões, marca o ponto de encontro com o grupo, no final do dia.

Um dia ensolarado, um “cielo dipinto di blue”, sem nuvens no horizonte. A ansiedade de conhecer cantos novos cresce. Caminham muito, cada vez bairros mais distantes. Lugares que com certeza foram também percorridos por fenícios e gregos;“catacumbas paleo-cristianas”, monumentos ancestrais.


O convento dos “cappuccini” abre suas portas e chama a atenção esse realismo-dramâtico que mostra. Nâo dá para perceber que o clima vai mudando. Nuvens pretas chegam com pressa, cobrindo os bairros da cidade.

As ruinas dos antigos, os muros medieváis, as ruazinhas estreitas, e no meio de tudo isso, o comércio, as lojas modernas, vendendo os artigos para os turistas e os habitantes do lugar. Todos misturados entre o passado e o presente. Uma cidade com uma história muito longa, e um presente que ainda não cruzou totalmente as fronteiras do tempo. O céu cada vez mais preto, os sons dos trovões se aproximando sorrateiros.

Exaustos depois de ter conhecido e caminhado o máximo possível,se sentam para tomar um café “espresso” perto dos muros de uma “chiesa del risorgimento”. Sem mais espera, aparece a chuva, pesada, cruel, fria, como gritando entre o barulho dos trovões. E em minutos tudo vira um caos.

Agora, pela chuva, as ruas ficam alagadas, os carros começam a boiar, as pessoas tentam se proteger desse inferno aquático. Como voltar? Aonde está o caminho certo para chegar ao ponto de encontro? O Teatro Massimo parece tão longe!!!!!!!!

Sendo turistas tentam pedir ajuda aos “carabinieri”. Mas a polícia está muito ocupada. Aliás, uma viatura quase bate as pessoas, tentando também atravessar a rua. Foi necessário um golpe com o guarda-chuva no capô do carro da polícia que freiou muito perto dos corpos , no meio do dilúvio.

A chuva forte, fortíssima, continua sem desejos de amainar. Mesmo com o fato do guardachuva no capô, nem a polícia pára, nem o dono do guarda-chuvas se amedronta. Com a água perto dos joelhos, e também quase cobrindo os pneus, não era mesmo o momento para discussões. A cena “Felliniana” está no seu explendor.

Mas a chuva, sempre acaba, segundo vemos em “Isabel vendo chover em Macondo”. Sem disculpas, sem aviso, de repente, assim como começa, acaba. Quase duas horas depois, e já de regreso à praça do encontro, a chuva parece fina, como uma garóa.Todo mundo se encontra, mas fisicamente, todos estão irreconhecíveis. Totalmente molhados, embebidos nessa mistura de cultura e chuva infinitas. Tempo depois, embarcam no navio. Outro mundo, outra história.

Um banho quente, roupa seca, uma lembrança pouco comúm. Depois dessa experiência, nenhuma outra chuva vai apavorar. Chega a noite nessa região da Europa.
Noite estrelada no mediterrâneo. O navio navega em silêncio... Dentro dele, luzes e animação... O amanhecer em Napoli tem um sol vermelho e amarelo, quase gigante.

Chuva? Trovões?
Tudo aquilo na lembrança é um sonho. Um sonho muito difícil de esquecer. A viagem continua e o sol mostra passo a passo seu esplendor. As fotos são testemunhas do percurso pela cidade de Palermo, capital da Sicilia.
Nem dá para pensar, que talvez, tem algumas nuvens chegando.... sorrateiras.!

Estrada a Puno (a porta para o Lago Titicaca)

A estrada era longa, escura, fria e solitária. Umas sete horas de Cuzco a Puno. O motorista, que parecia não ter dormido nas últimas noites, ofereceu uma manta para se aquecer. Ia ser uma noite gelada. E foi, até nevou là fora, mesmo sendo janeiro. Mas janeiro no alto dos Andes, numa altura, que devagar e entre penhascos, chegaria aos 3.825 metros.

O ónibus levava turistas e habitantes da região. Sentavam-se separados, conscientemente sentiam a distância das culturas.


Os collas (coyas) com sua própria identidade, roupa colorida e silêncio infinito, subiam e desciam do ónibus ao longo da estrada. Uma estrada que passo a passo ia quase chegando às nuvens.

Quando chegaram a Puno, por volta das quatro da madrugada, o motorista trancou as portas do ónibus. Todos dentro. Até o dia chegar, o amanhecer, e as portas da rodoviaria se abrirem, ninguém podia descer. (!!!!!). E assim foi até as seis da manhã.

Essa cidadezinha, quase fronteira com a Bolivia é pequena, misteriosa, solitária e movimentada ao mesmo tempo.

Puno fica à beira do Lago Titicaca. Um porto perto das nuvens, o lago mais alto do mundo. Daí se parte para à aventura. Navegar numa barca, cheia de pessoas de todas partes do mundo, que procuram saber os mistérios desse lago.

Parte das aguas pertence ao Peru, e uma outra à Bolivia. A fronteira está mesmo na agua. As ilhas que estão no lago, pertencem aos dois paises, definidas territorialmente. Aí temos a história, a lenda. Nesse lago, segundo os habitantes, nasceram o Sol e a Lua e assim os Incas.

Uma mistura de aymaras, collas, uros e outros regionais, habitam essas pequenas porções de ilhas. Algumas delas feitas com palhas de “totora” (as chamadas ilhas flutuantes). Uma interação de culturas perto do céu.

O Lago Titicaca é a porta lacustre para Copacabana, La Paz na Bolívia. São umas quatro horas de navegação para chegar às ilhas de Amantani e Taquile e ainda ter que caminhar e subir para poder ver uma paisagem maravilhosa. Os habitantes recebem às pessoas cordialmente, em silêncio, nesse silêncio infinito dos habitantes dos Andes.

O Titicaca (Pedra do Puma – na língua aymara) está aí, olhando para o mundo com seu olho espelhado. Poderoso, cheio de mistério, história e berço de civilizações....

Em Machu Pichu

O hall estava lotado. A multidão ficou atrás, depois de atravessar as portas da plataforma, aonde funcionários uniformados conduziam os passageiros até um trem moderno, organizado e prestes a sair.

Ainda era noite escura quando chegaram na estação do trem em Cuzco. (“Parecia Londres”... até pensou....). A viagem prometia a descoberta de um outro mundo, là perto das nuvens : Machu Pichu. O gerente do Hotel a acompanhou até a entrada perto do portão, e combinaram os horários do retorno.

Ela entrou no trem e sentou-se junto à janela.


O som dos trilhos, o apito da locomotiva, as pessoas se acomodando, as mochilas, o barulho, as vozes....

Ele entrou no vagão, devagar, com sua mochila pesada nas costas. Sentou-se perto dela e relaxou.

Esse apito anunciava uma viagem em direção à magia. Eram cinco ou seis horas até uma cidadezinha chamada “Aguas Calientes”.
Ela olhava maravilhada a paissagem, as montanhas, as pedras, o rio....

O movimento do trem e o calor da calefação contrastavam com a quietude là fora e o frio da noite.

”Logo vamos ver o sol e o dia amanhecer!"
As palavras dele iniciaram uma conversa que durou a viagem toda e poderia ter durado muitas outras mais.

Viajando nessa altura , so sentindo a vertigem da emoção. Folhas e chazinhos de coca para estabilizar o coração.
Aguas Calientes espera os turistas a beira do rio Urubamba . No meio do caminho a Machu Pichu.
Pequena e acolhedora, a cidade tem pousadas, restaurantes e uma energia que prepara às pessoas para o pulo à imortalidade.

Fazendo o Caminho do Inca (subir a montanha a pé) as pessoas se sentem imortáis. Quando se chega a Machu Pichu, se percebe que o lugar é um sonho, quem está aí faz parte desse monumento da Humanidade, dessa sensação de magnitude.
E se pensa “ Eu estou aqui” “Eu consegui” “Tocando as pedras faço parte delas” “Sinto em mim essa eternidade” .
No meio dos Andes, perto das nuvens, entre o mundo e sua história, é o abismo...

Eles caminham, conversam, tiram fotos. Primeiro em Aguas Calientes, depois em Machu Pichu. Sentem que já se conhecem de antes.

Machu Pichu e a porta à grandiosidade. Quem passa por ela já sabe. Quem entra pela Porta do Sol percebe que sua alma nâo vai querer voltar.
Sentar-se em uma pedra perto do abismo é sentir que essa energia pode te abraçar. Eles percorrem as casas, as quadras, os bairros os lugares sagrados dos lendários Incas e escutam com avidez as palavras dos guias.

Quando o percurso chega ao fim, os ónibus voltam pela estrada e suas curvas, paralela ao Caminho dos Incas.
As pessoas do mundo todo ficam caladas. A grandeza do lugar ainda está nas almas. E vai ficar.... para sempre.
O retorno, cansativo e longo está sempre acompanhado de fotos, lembranças, conversas,novos amigos e emoções compartilhadas.

Quando o trem sai voltando para o Cuzco, eles dormem, esgotados, apertados,um nos braços do outro. Sabendo que talvez este seja um último abraço antes da partida. O retorno de cada um a sua vida real em seus países de origem, a sua própria rotina.

De perto de longe, nos outros vagões, escutam-se as conversas em diversos idiomas.
Machu Pichu é um intercâmbio constante de energias. O mundo vai a ele levando as pessoas e ele vai ao mundo na memória e nos relatos delas.

Os cóndores passam, os incas ainda caminham nas montanhas resignados à história, as quenas se escutam no silêncio das paisagens.
A magia fica......para sempre.

Eles se conhecem, se maravilham, intimam, e quando a viagem acaba, se despedem.
O sonho acaba ao voltar...